Apesar de ainda dar os primeiros passos no país, aos poucos, a tecnologia de Internet das Coisas (Iot) começa a entrar no portfólio do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). O banco participa de duas iniciativas que buscam estimular as soluções criadas por empresas inovadoras que atuam nessa área, dominada, basicamente, por startups.
Uma delas é um dos itens que saíram do estudo que busca definir as bases para a implantação de um plano nacional de internet das coisas: uma chamada para projetos-pilotos voltados para as vertentes cidades, rural e saúde. Nessa chamada, 30 empresas foram selecionadas, com o volume de investimento previsto de R$ 88 milhões. A outra é o Programa Garagem, que tem nove desenvolvedoras de IoT, entre os 79 grupos selecionados.
“Essas empresas, normalmente, ainda estão em uma fase muito inicial de operação, não tendo como oferecer garantias para o financiamento”, aponta Carlos Eduardo Azen, gerente no departamento de Telecomunicações, Tecnologia da Informação e Economia Criativa do BNDES, que utiliza o instrumento de renda variável, via fundos de investimentos, para apoiar este tipo de empresa.
A boa notícia é que o BNDES planeja oferecer ao mercado, ainda no primeiro semestre, um novo produto de crédito, com operação com limites entre R$ 1 milhão e R$ 10 milhões. “Isso vai aumentar o alcance para empresas de menor porte”, diz Azen.
Nesta entrevista exclusiva ao portal NewVoice.ai, o gerente do BNDES mostra o que o banco vem fazendo para acelerar o desenvolvimento da IoT no país. Confira:
NewVoice.ai – O que o BNDES vem fazendo para apoiar o desenvolvimento da internet das coisas (IoT) no país?
Carlos Eduardo Azen – O financiamento para IoT se insere no histórico do banco de apoiar os setores de tecnologia, software, telecomunicações e equipamentos, por exemplo. E essa tecnologia tem um relacionamento com vários setores já acompanhados pelo BNDES. É difícil fazer um corte do que é financiamento para IoT. Várias empresas dos setores já apoiados estão querendo se posicionar como integradoras de serviços para internet das coisas, como as operadoras de telecomunicações e algumas empresas de software, incorporando hardware para fazer o monitoramento de objetos.
NewVoice.ai – Então, de uma forma geral, dá para falar de um montante de financiamento para a área de tecnologia?
Carlos Eduardo Azen – Em 2018, o orçamento de aprovações para os setores de tecnologia da informação e telecomunicações chegou a R$ 1 bilhão. Aí entra tudo, como apoio à infra-estrutura de uma forma geral, internet banda larga, etc. Este volume, em 2019, deve ficar entre R$ 1 bilhão e R$ 1,3 bilhão.
NewVoice. ai – Qual é o perfil das empresas que, atualmente, trabalham no desenvolvimento de soluções de IoT?
Carlos Eduardo Azen – Um estudo coordenado pelo consórcio McKinsey/Fundação CPqD/Pereira Neto Macedo, apoiado pelo Ministério de Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações (MCTIC)) e o BNDES, mapeou o setor de Iot no país. Grande parte das empresas que estão desenvolvendo essa tecnologia são pequenas. Por exemplo, 46% delas têm menos de 10 funcionários. Ou seja, são empresas jovens ainda?
NewVoice.ai – Que instrumentos o banco oferece para financiamento desse tipo de empresas?
Carlos Eduardo Azen – O primeiro, para as empresas que estão nesta etapa inicial do negócio, ainda sem balanço sólido ou garantias para oferecer em uma operação de crédito, é o instrumento de renda variável, a partir de fundos de investimentos em que o banco entra como cotista. Ou seja, o banco não investe direto neste tipo de empresa. No final de 2018, o BNDES tinha participação em 19 fundos de venture capital. Desses, quatro estão abertos. Isso não quer dizer que eles estão fazendo investimentos. A estimativa é que esses quatro fundos tenha R$ 780 milhões para investimento em todos os setores de uma forma geral, não só de IoT. Alguns fundos têm um viés mais tecnológico.
NewVoice. ai – Como é feito o processo, neste caso, para fazer o financiamento por meio dos fundos de capital?
Carlos Eduardo Azen – O BNDES, junto com outros investidores do fundo, participa da seleção da empresa, faz a análise do plano de negócio e identifica o que elas precisam. A aprovação do financiamento, por exemplo, costuma ser feita mais pelo ticket ou porte da empresa do que pelo setor em que ela atua.
NewVoice. ai – Então, a renda variável é o principal mecanismo para financiar empresas de tecnologia em estágio inicial de operação?
Carlos Eduardo Azen – Sim. Empresas ainda em uma fase muito inicial de operação encontram dificuldades para fazer uma operação de crédito, pois ainda não possuem um balanço maduro e não têm como oferecer garantias. Por isso, este é o instrumento mais utilizado. O produto que o banco tem para fazer financiamento direto parte de um montante de crédito de R$ 10 milhões.
NewVoice.ai – Então, isso é uma grande barreira para a maioria das startups?
Carlos Eduardo Azen – A perspectiva é que, ainda neste primeiro semestre, o banco tenha novos fundos disponíveis para empresas inovadoras. Inclusive está em desenvolvimento a criação de um fundo de coinvestimento anjo. O banco também está em fase final de criação de um novo produto de crédito, com operação com limites entre R$ 1 milhão e R$ 10 milhões, o que vai aumentar o alcance para empresas de menor porte. Esse será um produto mais simples do banco, que faz uma espécie de resgate do Prosoft, voltado para empresas de desenvolvimento de software, que foi descontinuado em 2016. Este produto flexibilizava a questão de garantias para empresas menores.
NewVoice.ai – No ano passado, o BNDES fez uma chamada para seleção de projetos-pilotos para IoT. Que balanço já é possível fazer dessa iniciativa?
Carlos Eduardo Azen – Essa chamada, uma das iniciativas indicadas pelo estudo que procurou fazer um diagnóstico da IoT no país, selecionou 53 propostas de projeto-piloto de três das quatro vertentes analisadas: rural,, cidade e saúde. A outra foi a área de indústria, que ficou para um segundo momento. A ideia da chamada era selecionar pilotos para poder experimentar a internet das coisas em ambientes reais.
NewVoice.ai – Em que fase se encontra essa chamada agora?
Carlos Eduardo Azen – Das 53, em dezembro do ano passado, 15 foram selecionadas, e estão em fase de habilitação, que exige um olhar mais aprofundado sobre os projetos em análise para posterior aprovação da diretoria. A expectativa é que os projetos sejam enviados para a aprovação da diretoria ainda neste primeiro semestre.
NewVoice.ai – Qual o volume de recursos que será destinado para estes projetos?
Carlos Eduardo Azen – O valor inicial seria de R$ 15 milhões, mas devido à quantidade e qualidade dos projetos, o banco aumentou o orçamento para R$ 30 milhões. Pela regra estabelecida, as empresas deveriam colocar ao menos 50% do aporte do banco. Como algumas alavancaram mais recursos, o montante de investimento totaliza R$ 88 milhões. Isso foi uma alavancagem expressiva dos recursos do banco, o que demonstra que existe uma demanda latente bastante grande para desenvolver soluções de internet das coisas no país.
NewVoice.ai – Qual é o prazo que as empresas selecionadas terão para executar os projetos?
Carlos Eduardo Azen – O prazo de execução é de até 24 meses. Eventualmente, um ou outro piloto pode ser realizado em um prazo mais curto. Outros, como nas vertentes rural e saúde, por exigir o acompanhamento de culturas e de pacientes, em um tempo maior.
NewVoice.ai – Outra iniciativa do banco é o Programa Garagem, que acabou selecionando nove startups voltadas para a área de IoT. O que este programa busca?
Carlos Eduardo Azen – O fato de ter empresas ligadas à internet das coisas não é uma casualidade, pois o banco incluiu este tipo de aplicação na chamada. Este programa é dividido em dois blocos: o de aceleração e o de criação de startups, de acordo com a maturidade e o porte das empresas. A iniciativa busca oferecer às empresas selecionados, por meio de uma estrutura de consultoria e gestão, condições para torná-las mais atrativas para os investidores. Assim, elas terão com desenvolver e acelerar os seus negócios.
NewVoice.ai – Qual é a fase atual do estudo que procurou fazer o diagnóstico da IoT no país?
Carlos Eduardo Azen – O estudo, que fez proposições para a elaboração de uma política pública para IoT, definiu 60 iniciativas, divididas em quatro eixos: capital humano; inovação e inserção internacional; regulação e segurança; e conectividade e operacionalidade, a partir de um debate que envolveu vários atores do mercado. A ideia é que as proposições sirvam de base para o desenvolvimento de um plano nacional de internet das coisas. Ainda em 2018, o MCTIC elaborou uma proposta de decreto para formalizar a estrutura de gestão do plano, que não chegou a ser aprovado. O governo atual mostrou interesse. Na comunicação do presidente ao congresso, o governo aborda o tema.