Por Bruno Rodrigues*, colunista do NewVoice.ai
Produzir conteúdo é como subir uma escada interminável. Sempre há degraus à frente, e estes devem ser o nosso norte – mas, quando em quando, é preciso olhar para trás e rever o caminho e a evolução do que veio antes, para compreender o que existe logo adiante. Estamos em um destes momentos, transformadores e fundamentais. Acompanhem-me, portanto!
Todos conhecem o princípio básico da comunicação: de um lado está quem produz uma mensagem e, do outro, quem a recebe. Ao longo do século passado, muito da História se confundiu com a tarefa – sempre fascinante – de fazer com que a informação fosse entregue da maneira mais rápida, simples e clara possível. E conseguimos.
Do jornal ao rádio, do cinema à televisão, da internet dos sites e portais às redes sociais, o talento dos profissionais se aliou à tecnologia e nos trouxe até aqui, à beira da terceira década do século XXI. Porém, agora a questão coloca-se de outra forma: qual a maneira mais confortável de um público se relacionar com a informação, e como este conteúdo deve se portar?
Sabemos que o meio digital rompeu barreiras com as empresas; uma mensagem enviada por uma marca hoje é estressada, dissecada e questionada pelos públicos. Atualmente, uma corporação que se preze tem a exata noção de que quem recebe a informação também é, de certa forma, dona dela.
A relação, então, transformou-se radicalmente: se eu participo ativamente da divulgação de um conteúdo, e muitas vezes de seu repensar, eu me permito, agora, exigir que a relação com cada informação demande o mínimo de mim. Eu consumo conteúdo, sim, mas quero fluidez no processo.
No centro desta evolução, estão os nossos sentidos.
Quando a comunicação era unilateral, bastava ler e consumir o que a mídia havia produzido para o impresso. Sem recursos para interagir, só nos restava absorver a informação. Nossas opiniões se esvaiam no ar com a fragilidade de uma ‘carta do leitor’ de um jornal.
Na televisão – um rádio com imagens – bastava ver e ouvir. Fascinados com o poder da imagem, mais uma vez consumíamos a informação de uma grade definida e em que pouco tínhamos influência. As pesquisas de opinião eram realizadas não quando os públicos achavam necessário, mas quando os detentores da informação decidiam que era adequado.
Não foi diferente com a internet dos primeiros anos: sites e portais eram os novos jornais e revistas; os vídeos, ainda em sua primeira infância, eram produzidos e veiculados por quem tinha recursos para tal. Mais uma vez, éramos espectadores – apenas digitais, agora.
Então, surgiram os espaços para comentários nos sites. Depois a explosão dos blogs. E vieram as mídias sociais. Passamos a usar outros sentidos – da leitura passiva, fomos à escrita ativa. Ao produzirmos nosso conteúdo em áudio ou vídeo, passamos, literalmente, a ter voz e a aparecer.
Quando os primeiros Assistentes de Voz surgiram, seu uso e sua estrutura eram como o de uma simples gravação, compreendida por um sistema que, por sua vez, provocava uma ação. Longe de ser um conteúdo, as mensagens via voz eram um conjunto de informações que não esperavam interatividade, apenas uma interação para a execução de uma ação.
Com sistemas mais avançados como os da Amazon e do Google, espera-se interatividade, e por isso conversa. Por onde antes circulava apenas a informação, agora há conversa e troca. Conteúdo, portanto.
Com o uso da voz, tudo é mais simples. Retornamos, finalmente, ao mais básico da comunicação: a oralidade. Fluida e, antes de tudo, pessoal, a fala facilita a comunicação e transforma a relação com o conteúdo que nos cerca.
Ao profissional da informação, contudo, resta perceber em que degrau nós estamos e utilizar as ferramentas com que se construiu a comunicação do passado para alçar novos voos.
São recursos que tenho utilizado em meu dia a dia de trabalho e que têm me ajudado bastante. Às ferramentas, então:
Semântica
A voz pode ser uma armadilha para o produtor de conteúdo textual. Ao supor que um público fala da mesma forma que escreve – ou que sua oralidade se aproxima da escrita -, um redator responsável por diálogos para Assistentes de Voz corre o risco de criar ruídos graves de comunicação. É preciso antes mergulhar no universo semântico dos públicos, entender como e, principalmente, o que ele fala – e sem conclusões lógicas e perigosas como ‘a fala é informal, a escrita, formal’, pois nem sempre é simples assim. Além disso, não basta sua experiência de anos em escrita; a real solução está no universo semântico dos outros, não em você. Foque em pesquisas, portanto.
Arquitetura da Informação
Toda comunicação baseia-se em etapas, por isso, antes de formular diálogos, é fundamental criar o fluxo que guiará a construção dos diálogos. Neste processo, a ferramenta mais eficaz é a Arquitetura da Informação. Mais do que um roteiro, um fluxograma bem estruturado de um Assistente de Voz indica caminhos a seguir entre os vários possíveis – até porque a maioria deles será levada em consideração. Entender conceitos clássicos de Arquitetura da Informação como Hierarquia e Contexto são essenciais para que o fluxo da conversação consiga espelhar a real maneira de pensar e organizar informação dos modelos mentais de cada público.
Microrredação
Parte essencial da redação para interfaces de produtos digitais, a microrredação é o cerne dos diálogos dos Assistentes de Voz. Qual termo é o melhor a ser utilizado? É este ou um sinônimo? Mais do que ser compreendido, ele é persuasivo? E mais: quais termos e expressões não devem ser usados? Estas são questões básicas que precisam ser levadas em conta para municiar o redator com o melhor do universo da fala dos públicos para que – aí sim – ele possa se dedicar à principal etapa da comunicação via voz: a elaboração dos diálogos. Como um quebra-cabeça de palavras criado a partir do esqueleto da Arquitetura da Informação, o conjunto de diálogos de Assistentes de Voz merece toda a atenção.
Tudo ainda é muito novo. O território da voz ainda engatinha, e por isso erra-se muito – o que é natural e deve ser observado com atenção. Da mesma forma, os acertos também nos apontam caminhos a seguir. Uma coisa, contudo, é certa: com os Assistentes de Voz, abre-se um momento fantástico no território da produção de conteúdo, muito mais interativo e orgânico. Todos nós só temos a ganhar, como empresas e públicos – que a estrada seja longa e próspera!
*Bruno Rodrigues é consultor e professor, especialista em Informação para a Mídia Digital e Padronização de Informações, autor do primeiro livro sobre Webwriting em língua portuguesa, ‘Webwriting – Pensando o texto para a mídia digital’ (2000), e de suas sequências, ‘Webwriting – Redação & Informação para a Web’ (2006) e ‘Webwriting – Redação para a Mídia Digital’ (2014). Produziu para o Governo Federal o padrão brasileiro de redação online, ‘Padrões Brasil e-Gov: Cartilha de Redação Web’ (2010), e atualmente prepara um novo livro, desta vez sobre UX Writing (2019). Em dezenove anos já prestou consultoria e ministrou treinamentos em Webwriting, UX Writing e Arquitetura da Informação para quase 60 empresas do Brasil e do exterior.