Por Ricardo Murer*
A transformação digital na educação começa a ser abordada mais intensamente no país, face ao desafiador ano de 2020. Com a pandemia de Covid-19, milhões de estudantes ficaram sem aulas. Com o fechamento das escolas, os alunos mais afetados na continuidade dos estudos foram aqueles que não possuíam computador ou notebook e acesso às redes WiFi, componentes necessários para a maioria das soluções de ensino a distância baseadas em streaming de vídeo.
Segunda pesquisa TIC Educação 2019, no Brasil, 34% dos estudantes não possuem um computador em casa, e 86% das escolas públicas urbanas não possuem estrutura de ensino a distância, tornando o efeito do fechamento das escolas em algo ainda mais grave.
Recorremos às tecnologias para alavancar o ensino a distância, impedindo a paralisação total da educação, mas é preciso buscar alternativas tecnológicas para as soluções atuais, baseadas em vídeo, e aos modelos que buscam simular aulas presenciais com local e hora marcada.
Se pararmos por um instante, e buscarmos em nossa memória nossas aulas, do fundamental até a faculdade, vamos encontrar vários pontos em comum: a sala de aula, professores, alunos, o ambiente escolar, a biblioteca, os livros. O que as novas tecnologias vêm buscando é substituir, em alguns casos, e potencializar em outros alguns dos elementos que formam a jornada de aprendizagem dos alunos.
Entre eles está, sem dúvida, o mais importante, o professor. Ele é o responsável por conectar todos os elementos desta cadeia de aprendizagem e transferir o conhecimento para seus alunos. Sua principal ferramenta: a voz. Um bom professor é aquele que sabe se comunicar, possui capacidade de explicar e é um excelente orador.
Em todas as aulas, professores “falam” e fazem uso de outros componentes da jornada de aprendizagem como meios para “materializar a voz”, tais como cadernos ou livros – estes últimos, podemos dizer, materializam “a voz interior”, ou o pensamento. As tecnologias de voz, quando aplicadas à educação, estão de fato potencializando nosso meio de transmissão de conhecimento mais natural e fluído, que é a voz.
Outro relevante aspecto é a mudança de comportamento dos estudantes, nativos digitais, que possuem alto grau de exigência quanto às possibilidades de interação dos dispositivos e sistemas que utilizam. Estudantes que realizam múltiplas tarefas ao mesmo tempo e entendem que o celular é sua principal ferramenta para absolutamente tudo.
Não é por acaso que, nos últimos anos, a área de Experiência do Usuário ou UX – User Experience – se tornou uma das mais importantes no desenvolvimento de sistemas, incluindo as plataformas de ensino a distância e e-learning.
Interfaces para os usuários baseadas em voz ou Voice User Interfaces (VUIs) começaram a se tornar mais comuns na última década, embarcadas em celulares, como a Siri no iPhone e o Google Assistente nos dispositivos Android. Mais recentemente, a tecnologia Alexa Voice Service (AVS) da Amazon cresceu em número de usuários, ultrapassando mais de 100 milhões de dispositivos.
De acordo com a Comscore, em 2020, 50% de todas as buscas na Web foram feitas por voz. Além deste fato, pesquisadores da Universidade de Stanford demonstraram que, com sistemas modernos de reconhecimento de voz a sua eficiência (velocidade e assertividade) é três vezes maior quando comparada à digitação típica em um smartphone. Então, é fácil compreender porque está cada vez mais comum usarmos “recados de voz” no WhatsApp.
A chegada dos dispositivos de voz na educação tem ocorrido de forma ainda isolada, mas consistente. De um lado, eles podem ser úteis em atividades de suporte acadêmico. A Universidade de St. Louis, nos Estados Unidos, criou uma rede de 2.300 Amazon Echo Dots, distribuídos nos dormitórios dos estudantes e outras partes do campus. Uma skill (este é o nome que a Amazon dá aos aplicativos que rodam em sua plataforma) proprietária da universidade pode responder a mais de 135 perguntas sobre eventos, horários de aulas e informar até as opções de refeições nas proximidades do campus.
De outro lado, assistentes e dispositivos de voz podem apoiar a jornada de aprendizagem do aluno, oferecendo aulas, atuando como monitores inteligentes, com jogos educativos e testes para autoavaliação. Com a chegada do ensino híbrido, tecnologias de voz são uma alternativa leve, fácil de usar e inclusiva. Um nicho de mercado que está sendo explorado com sucesso por algumas Edtechs (startups focadas em Educação) ao redor do planeta.
Trata-se de uma solução inovadora, de baixa fricção e sem barreiras técnicas para adoção e uso. É a prova de que os dispositivos de voz, quando possuem software de inteligência artificial com recursos avançados de conversação, podem representar a próxima onda para o ensino híbrido.
*Ricardo Murer é CTO e cofundador da Voxall Edtech